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Coletânea de poesias do livro " O tempo e a vida "

1- Geografia do sertão no meu tempo de menino

Via-se sangue, a mancha da dor
Balançava no varal, um camisa
Furada pela traiçoeira bala
Que dormia ao relento, anunciando
Mais uma vida, que partiu
Prenunciando mais morte, no sertão.

No manejo do facão, cai a cana
Mais uma vida é cepada ali
Pois, morre a cana madura
Indo parar no engenho, é moída
Sai a seiva de garapa pura
Para se transformar em rapadura.

Caminhando pela estrada vermelha
Um casal numa charrete passava
A mim, logo perguntaram
Qual é o teu nome menino?
Ôxente, meu nome é minino
Menino, não é nome, é um estado
É assim, que todo mundo me chama.

A moça de nome Clara, abre um baú
Apanha um livro e lança ao vento
Tu sabe lê, menino?
Eu leio as figuras, moça!
A imagem da paixão nasce
E vai levando o coração dele.

O casal anda nas pernas de pau
Anunciando, que o circo chegou
Pra alegrar o sertão seco e faminto
Prevendo que a morte viria
A moça Clara foge do circo
Embebida pela água do canavial.

Em casa de Tonho, uma tocaia
Ele é irmão do menino e dorme com Clara
O menino recebeu um nome no circo
De hoje, em diante você será Pacu
E como Pacu, o menino saiu a sonhar
Imaginando, a sua serei no mar.

O menino lia as imagens do livro letrado
Mais ficou em outra cena, da bala certeira
Que fez com que Tonho partisse em viagem
Ele saiu em busca de Clara e chegou ao mar
No canavial, a sua mãe chorava de dor, um filho morto
Outro fugido, na noite chuvosa, o clarão da arma.

Um beijo na escuridão do celeiro
A lua mais uma vez, Tonho e Clara se amam
Uma bola de fogo, clarão solar na noite, a vingança
Pacu parte em busca de sua sereia
Debaixo de uma guerra de relâmpagos
De repente, um tiro, um corpo cai...

E o sertão de invernada entristeceu
Pois, morreu o menino sonhador
Sua mãe chora despedaçada pela dor
Tonho novamente, sai a vagar pelo mundo
Vai sem destino e sem paz e chega ao mar
Mãe e filho choram sem consolo.

O mar borbulhava em ondas lacrimais, de espuma
Com suas ondas gigantes, de saudade
Tonho vê a sereia do menino Pacu
Ela contorcia a cauda de tristeza
É uma cena real, do mundo sem dono
Que vejo fora dos livros de histórias.

Jamais teve fim esta cena
Enquanto, outra camisa jazia sangrando no varal
Agora, recebia o clarão da lua cheia
Empoeirada brancura e manchada de vermelho
Desbotando, sem seu dono, que partiu
Como a cana decepada, jazia em feixes.

E o menino que sonhava acordado
Dorme agora, o seu sono eterno e infantil
Seu peito e o sonho foram traídos, se encantaram
Nas noites, em que Clara sorridente
Engolia fogo de cana amarga
Quando, em vida o menino delirava, em suas viagens.

Clara era show de magia e beleza
Quando, as moedas raras caíam na caneca
Tonho babava de paixão ardente
Clara embebecida, se entrega mais uma vez
E os dois vão em devaneios vivendo
Na corda bamba, que é a vida no sertão.

Tonho com seus dedos em traquinagens
Vai gemendo em êxtase de amor
Bêbado retornou para casa e apanhou de facão
Seu corpo sangrou descamisado dentro do canavial
Por isso, ele ficou muito febril e escapou da tocaia
Viveu no escondido, por Clara procurado.

Dois adolescentes perdidos, pela a ardência do amor
O pai de Tonho, soltou a ira salgada pelo sol inclemente
Que ia roubando o resto da fé, vendo os filhos partir
E com isso, a cana cepada não era moída
O mercado ficou sem garapa e rapadura
Pra complicar, Tonho e Clara fugiram com o circo.

A lua vem crescendo no céu azulado
A camisa pendurada no vara, prenúncio de morte
A vingança é a única que não morre no sertão
Sangue, luto, choro, trovão. outra vida cepada
O espírito do menino vingado, sem razão
Trouxe chuva daninha de balas, pra desfigurar o sertão.


2- O tempo e a vida

Antes, eu era um embrião
Lágrimas não havia em mim
Minhas lágrimas em grãos
Eram de uma paz sem fim.

A borbulhar no ventre
Minha mãe me protege
Com seu puro amor, dentre
A segurança elege.

Paz e sossego pra mim
Segurança é uma magia
No aquoso mundo carmim
Harmoniosa nostalgia.

Envolvente líquido
Daquele leito ventral
Que casulo querido
De uma proteção mestral.

Quando minha mãe suspirou
Fui expelido do lar
Ela gemeu e expirou
Num leito hospitalar.

Pois, saí daquele ambiente
Perdi a proteção dela
Que era o seu ventre quente
Que saudade mãe bela!

Eu fui exposto às tentações
Agora, vivo neste
Ambiente de privações
Lar em mundana peste.

Não havia medo em mim
Pois, lá havia conforto
Sou feliz e amado, sim!
A minha mãe é o meu porto.

Eu era senhor do mundo
Mais em espaço pequeno
Paradisíaco e fundo
Um reino para que no...

Tempo tornasse grande
Já engatinhava, eu era
Príncipe e diziam ande
Andei na primavera.

Passo para o futuro
Aquele foi o primeiro
Presente prematuro
Sou real e estou inteiro.

Um dia, a porta abriu e eu saí
Foi o desequilíbrio
Fui à lona sim, chorei e daí
Levantei, veio o equilíbrio.

Esta é a vida que levo
De grande valia infantil
Brota-se o sonho e enlevo
A vida verossímil.

Era uma criança, só eu
Mais também muito feliz
E vivia no mundo meu
Uma formação, que diz.

Nesse mundo eu brincava
Eu pulava, corria em paz
Fui à escola e tocava
A professora dizia faz.

Tempo, parecia louco
Não parava de correr
Eu estudava pra pouco
E a vida indo pra morrer.

O tempo voava, eu crescia
Modifiquei a linguagem
Alcancei o que merecia
Buscava nele a aragem.

Pra cultivar minha alma
E limpar o meu peito
Pra me dá muita calma
Quando sair do perfeito.

Ainda havia sossego
Uma paz que durava
Mais veio o desassossego
E o tempo não parava.

O ano passava veloz
Eu crescia bem saudável
Mais, o tempo é muito feroz
O meu pai sempre amável.

Pra cada ano passado
Aumentava o meu saber
Surgia um sonho herdado
Da finita luz do ser.

Levo a vida em dois lares
Em casa e na escola
Lá em casa havia bons ares
Já na outra, veio a cola.

Lá foi aquela comunhão
Paz e sossego pra mim
A minha cara foi ao chão
Caí, desmoronei, foi o fim.

Fui abordado na saída
Fiquei paralisado
Cruel dúvida na vida
Quase morri colado.

Não tenho mais paciência
Paz, então nem em casa
Eu fugia sem consciência
Só faltava criar asas.

Voar sem destino, que vida!
A violência imperava lá
Não há clima na lida
Nem na escola nem no lar.

A vida é tão engraçada
Com ela temos de tudo
Caído na desgraçada
Vivendo como um mudo.

O engraçar dela, é que ela
É absurda e sem lógica
Dela colhe-se a vela
Na morte fisiológica.

E biologicamente
Esta vida miudinha
Deixa de ser de gente
Virando caveirinha.

Não nego tanto a minha
Mais sei que dói com ardor
Esta vida fininha
Que se estende com dor.

Rasga o coração e o peito
Chagado de tristeza
Por tudo, que lá é feito
Choro, por esta frieza.

Vivo de tudo nela
E pelo absurdo que é
Morro só nesta cela
Como santo sem fé.

Que coisa mais sem graça
Esta vida que passa
Sem ritmo, vê a lua e a praça
Ditada pela massa.

Massa cinza de fome
Cega de sabedoria
Ignorante não come
Política de harpia.

De passar pela vida
Sem comida e sem galho
No esplendor da dúvida
Corpo nu de frangalho.

Vida de verme mortal
Parasita arrogante
Que quebra como cristal
Um esquife ambulante.

De vida prostituída
Por fria necessidade
Vive sempre possuída
Falta capacidade.

Troca-se, por capital
Num gozo mundano vai...
Perdendo a vida mortal
Idade, que agora recai.

E vai sendo predada
Por vermes insaciáveis
Da mocidade dada
Pares de doenças mutáveis.

Vida de cancro rica
Felicidade não acha
Doente, logo fica
E a morte encaixa.

A riqueza é uma faca
Que corta a pobre alma
Deixando correr laca
Colando à luz da calma.

Goma laca de sangue
Impuro e fetídico
Dessa lama de sangue
Vai e vem metódico.

Vida de sanguessuga
Forasteira noturna
Morcego mor em fuga
Vampiro da saturna.

Sofrida e pobre vida
Peste da bubônica
Ratazana ferida
Por pulga plutônica.

Analfabeta sem luz
É vida moribunda
Espírito que reduz
A vida vagabunda.

Anjo inorgânico ser
De impura vida errante
Escuridão do saber
Um fantasma berrante.

Compadecida da dor
Vida presa na lama
Grandioso rio de pudor
Por desgraçada fama.

Vidinha diabólica
Na veia da televisão
Satanás bucólico?
Defama em contramão.

Ou radiofonia campal
De vícios da linguagem
Que faz a mudez lapal
Desse vermelho aguagem.

Vê-se viciado bucal
De uma linguagem morta
Numa lápide de a cal
Versos de magia torta.

Literatura vulgar
De versos sem melodia
E a vida vai num fungar
Versão de melancolia.

Dos vícios da pontuação
Da desregrada droga
Hábito da consumação
Leva a vida num tragar.

Uma vida de lesma
E a feroz fome do ser
Vai drogando a si mesma
Seja a droga do saber.

Ou drogado cultural
Azedando na cova
A aberração do rural
Pinto, filho de uma ova.

Corra vida até estressar
Que a morte está a tua espera
Vai! vai vida, se enfartar
Pra esconder na cratera.

Que a morte vulcânica
Lama do ardil satã
Braseira satânica
Disfarçado de galã.

E vai cheirando estrume
Sutileza de chofre
Corpo caído no tapume
Num cinzeiro de enxofre.

Na via parabólica
Vida condenada e só
Loucura diabólica
Que o diabo transforma em pó.

E a conjugação é piorar
Seguida de mágica
A Globo deteriorar
Absurda, sem lógica.

Para que querer viver
Num casulo de traça
Com a morte irá mover
A vida da desgraça.

Violando a regra de Jó,
O qual, câncer comia
Jogando paciência só
Preso na globologia.

Vida bandida é o jogo
Novela da marginal
Vida pegando fogo
Globo, câncer terminal.

O que mais fere a vida
Não é a tal febre fatal
Pois, ela é a única tida
Para o homem sem metal.

Mata a fome com lodo
Escola da galáxia
Comida de engodo
Vítima da falácia.

Política salgada
Com palavra vivida
Passa a ser engordada
Só de falácia a vida.

Mais, de que adianta viver
Nesta fugacidade
Inconsciência que prever
Fim da humanidade.

Pra que lutar e morrer
Por escolaridade
Que, se viciar vai sofrer
Na coletividade.

Ser carniça e podridão
Morrer à margem, ralé
Viver e pedir perdão
Ou remar contra a maré.

De hipócrita sorte
Confissão de perito
Ninguém vive a morte
Sem droga, vem escrito.

Nessa muitos morreram
Escola, casa e palhas
Política cheiram e erram
Matando por migalhas.

A vulgaridade do ser
Emerge da existência
Ninguém mesmo viu nascer
Nem sabe à permanência.

Além de nascer sem ver
Tem que pensar em partir
Um drogado pra viver
Vai morrer sem existir.

Já condenado à morte
A inocência da ciência
De remediar à sorte
Dos mortos de paciência.

Sina de vida réptil
Pra que julgar um morto
Se no viver foi inútil
Barbárie de um torto.

Mais, pra que viver de ontem
Se o presente, de hoje
Passado é, e o amanhã mantém
O tal futuro longe.

Vida é nada, é só passagem
À margem da escuridão
Inclemente dopagem
Do viciado sem razão.

A harmonia de dantes
Desapareceu no
Embalar pendantes
De um cão sem nenhum dono.

Há agora, somente um lar
A escola virou prisão
Ao abandonar o ensinar
Virou albergue de ladrão.

Mais há uma realidade
Tão real, quanto a matança
Não importa cor e a idade
Morre até na pré-andança.

A vida segue no lar
Na rua sou entrincheirado
Vendo homens a rolar
Com sangue derramado.

O tempo voa, vão-se os anos
A infância jamais volta
Foram tempos insanos
Causando uma revolta.

Castelo estava em ruínas
E caiu na primavera
Por doses de cocaínas
Morreu a menina Vera.

Foi-se, a vida de rapaz
A adolescência passou
Na infância foi um incapaz
E a vida lhe sentenciou.

Preso todo colado
O lar uma cadeinha
O pai desconsolado
Foi parar na telinha.

Por infatilidade
Foi, caiu numa cilada
Inferno mocidade
dessa vida colada.

Delinquência da social
Infortúnio familiar
Transformação visceral
Loucura pra conciliar.

Esta droga de vida
Escorregadia e final
É vermelha e falida
Desse sangue terminal.

Partido no vermelho
Sangue alheio derramado
Jorrando nos espelhos
Do terror proclamado.

Da social delinquência
Na família a infortúnia
Viver na dependência
Dessa droga sem etnia.

Só agora, me lembro
Com cheiro de saudade
Da infância em dezembro
Mês da fraternidade.

Eu estou meditativo
Não tive tempo, penso
Foram longos dias vivos
Até oro com incenso.

Para poder se aninhar
Amando a sua beleza
Basta apenas caminhar
A vida é uma grandeza.

Da arte filosófica
Viver é uma analogia
Écloga e bucólica
Não é uma vã filosofia.

Viver é ser humano
Esquecer a perfídia
Sem cara de romano
É renascer todo dia.

Apagar falsa honra
Da vã moralidade
Pobreza não é desonra
Faltou a oportunidade.

Permanecer puro e real
Sem prender a ideologia
É a pureza de um ideal
Viver é sabedoria.

Mais, também fui radical
Pois, nunca quis sair daqui
Por que vivendo do ideal
Que acabei chegando aqui.

Com moral do uso formal
Vivi num idealismo
Que não foi nada normal
Vazio puritanismo.

Com esta filosofia
Passaram os meus anos
Mataram minha infância
Por debaixo dos panos.

Pois, tudo é  muito odioso
Eu vivo no pecado
Do culto religioso
Numa luta obsecada.

Nascido de uma linda
Mulher de tal nobreza
Racional mãe que infinda
Na luta por solução.

Que vai carregando à cruz
Esse bebê que espanto
Reza e apega a santa cruz
Ter sido mãe, portanto.

Toma este caldo amorzão
Esta é a grande nobreza
A criança crescia é a razão
Em meio a tanta pobreza.